terça-feira, 20 de setembro de 2011

ODE AO RIO DE JANEIRO

Rio de Janeiro, a água

é a tua bandeira,

agita as suas cores,

sopra e retine no vento,

cidade,

negra náiade,

de claridade sem fim,

de abrasadora sombra,

de pedra com espuma

é o teu tecido,

o cadenciado balanço

da tua rede marinha,

o azul movimento

dos teus pés areentos,

o aceso ramo

dos teus olhos.





Rio, Rio de Janeiro,

os gigantes

salpicam a tua estátua

com pontos de pimenta,

deixaram

na tua boca

dorsos do mar, barbatanas

perturbadoramente mornas,

promontórios

da fertilidade, tetas da água,

declives de granito,

lábios de ouro,

e entre as pedras quebradas

o sol marinho

iluminando

rutilantes espumas.





Ó Beleza,

ó cidadela

de pele fosforescente,

romã

de carne azul, ó deusa

tatuada em sucessivas

ondas de ágata negra,

da tua nua estátua

um aroma de jasmim molhado

se desprende, vem no suor, um ácido

pegajoso

de cafezais e de frutarias

e pouco a pouco sob o teu diadema,

entre a dupla maravilha

dos teus seios,

entre cúpula e cúpula

da tua natureza

aparece o dente da desgraça,

a cancerosa cauda

da miséria humana,

nos montes leprosos

o cacho inclemente

das vidas,

pirilampo terrível,

esmeralda

extraída

do sangue,

o teu povo estende-se

até aos confins da selva

num rumor abafado,

passos e surdas vozes,

migrações de esfomeados,

escuros pés com sangue,

o teu povo,

para lá dos rios,

na densa

amazônia,

esquecido,

no Norte

de espinhos,

esquecido,

com sede nos planaltos,

esquecido,

nos portos mordido

pela febre,

esquecido,

à porta

da casa de onde o expulsaram,

pedindo-te

apenas um olhar,

esquecido.

Noutras terras,

reinos, nações,

ilhas,

a cidade capital,

a coroada,

foi colméia

de trabalhos humanos,

amostra do azar

e do acerto,

fígado da pobre monarquia,

cozinha da pálida república.

Tu és a espelhante

montra

de uma sombria noite,

a garganta

coberta

de águas marinhas

e ouro

de um corpo

abandonado,

és a porta

delirante

de uma casa vazia,

és

o antigo pecado,

a salamandra

cruel,

intacta

na fogueira

das longas dores do teu povo,

és

Sodoma,

Sim,

Sodoma

deslumbrante,

com um fundo sombrio

de veludo verde,

rodeada

de crespa sombra, de águas

ilimitadas, dormes

nos braços

da desconhecida

Primavera

dum planeta selvagem.

Rio, Rio de Janeiro,

quantas coisas tenho

para te dizer. Nomes

que nunca esquecerei,

amores

que amadurecem o seu perfume,

encontros contigo, quando

do teu povo

uma onda

agregue ao teu diadema

a ternura,

quando

à tua bandeira de águas

subam as estrelas

do homem,

não do mar,

não do céu,

quando

no esplendor

da tua auréola

eu veja

o negro, o branco, o filho

da tua terra e do teu sangue,

elevados

até à dignidade da tua formosura,

iguais na luz resplandecente,

proprietários

humildes e orgulhosos

do espaço e da alegria,

então, Rio de Janeiro,

quando

alguma vez

para todos os teus filhos,

e não somente para alguns,

abrires o teu sorriso, espuma

de morena náiade,

então

eu serei o teu poeta,

chegarei com a minha lira

para cantar em teu aroma

e na tua cintura de platina

dormirei,

na tua areia

incomparável,

na frescura azul do leque

que tu abrirás no meu sono

como as asas de uma

gigantesca

borboleta marinha.





Pablo Neruda, 1956

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