CHINA, por muito tempo nos mostraram tua efígie
pintada especialmente por ocidentais:
eras uma velinha enrugada,
infinitamente pobre,
com uma tigela vazia de arroz
na porta de um templo.
Entravam e saíam os soldados
de todos os países,
o sangue salpicava as paredes
te saqueavam como a casa sem dono,
e davas ao mundo um aroma estranho,
mescla de chá e cinza,
enquanto na porta do templo com teu prato
vazio, nos fitava com teu olhar antigo.
feito especialmente para senhoras cultas,
e nas conferências tuas sílabas mágicas
surgiam de repente como luz enterrada.
Todos sabiam algo sobre as dinastias
e ao dizer Ming ou Celadom franziam os lábios
como se comessem um morango,
e assim querias que para nós fosses
uma terra sem homens, uma pátria
onde o vento entrava pelos templos vazios
e saia cantando, só, pelas montanhas.
Queriam que acreditássemos
que dormias,
que dormias de um sonho eterno,
que eras a “misteriosa”,
intraduzível, estranha,
uma mãe mendiga com farrapos de seda,
enquanto isso de cada um de teus portos
se afastavam os barcos carregados de tesouros
e os aventureiros entre si disputavam
tua herança: minerais
e marfins, planejando
depois de sangrar-te, como levariam
um bom barco carregado de teus ossos.
Pablo Neruda
- retirada do livro “As uvas e o vento” de 1954.
Nenhum comentário:
Postar um comentário