sexta-feira, 21 de novembro de 2008

CHINA.


CHINA, por muito tempo nos mostraram tua efígie

pintada especialmente por ocidentais:

eras uma velinha enrugada,

infinitamente pobre,

com uma tigela vazia de arroz

na porta de um templo.

Entravam e saíam os soldados

de todos os países,

o sangue salpicava as paredes

te saqueavam como a casa sem dono,

e davas ao mundo um aroma estranho,

mescla de chá e cinza,

enquanto na porta do templo com teu prato

vazio, nos fitava com teu olhar antigo.

Em Buenos Aires se vendia teu retrato

feito especialmente para senhoras cultas,

e nas conferências tuas sílabas mágicas

surgiam de repente como luz enterrada.

Todos sabiam algo sobre as dinastias

e ao dizer Ming ou Celadom franziam os lábios

como se comessem um morango,

e assim querias que para nós fosses

uma terra sem homens, uma pátria

onde o vento entrava pelos templos vazios

e saia cantando, só, pelas montanhas.

Queriam que acreditássemos

que dormias,

que dormias de um sonho eterno,

que eras a “misteriosa”,

intraduzível, estranha,

uma mãe mendiga com farrapos de seda,

enquanto isso de cada um de teus portos

se afastavam os barcos carregados de tesouros

e os aventureiros entre si disputavam

tua herança: minerais

e marfins, planejando

depois de sangrar-te, como levariam

um bom barco carregado de teus ossos.

Pablo Neruda

  • retirada do livro “As uvas e o vento” de 1954.

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