sexta-feira, 21 de novembro de 2008

A Grande Marcha

MAS OCORRIA algo no mundo.

Teu retrato não nos satisfazia.

Era formosa tua pobre majestade,

mas não nos bastava.

A bandeira soviética ondulava

beijada pela pólvora

entre corações de homens.

Tu, China, nos faltavas, e através dos mares

ouvimos de repente que a voz do vento

já não cantava só por seus largos caminhos.

Incorporava-se Mao

e ao longo da China

e ao longo

de tantos sofrimentos,

vimos subir seus ombros

envoltos pela aurora.

De longe, da América, cuja a margem

meu povo escuta cada onda do mar,

vimos surgir sua tranqüila cabeça,

e seus sapatos dirigem-se rumo ao Norte.

Para Yennan com o poeirento traje

se encaminha seu grave movimento:

e vimos desde então que as nuas terras

da China lhe entregavam homens,

pequenos homens, enrugados velhos,

sorrisos infantis.

Vimos a vida.

Não estava só o velho território.

Não era lua de água

enchendo a espectral arqueologia.

De cada pedra um homem,

um novo coração com um fuzil,

e te vimos povoada, China, pelos teus soldados,

pelos teus, enfim, comendo pasto,

sem pão, sem água, andando o comprimento do dia

para que a aurora pudesse nascer.

Pablo Neruda

  • retirada do livro “As uvas e o vento” de 1954.

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